sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

[Arquivo] Histórias do Capitão Dickinson





A relativa inatividade do Maiden ao longo de 2002 permitiu que Bruce – inquieto, como sempre – organizasse uma visita de retorno à Europa, dessa vez com sua banda solo, basicamente formada por aqueles caras pirados do Sack Tricks, embora o baterista, dessa vez, fosse Robin Guy, que dividiu uma casa com Chris Dale (integrante da Skunkworks), e entrou para o Sack Tricks após uma série de coincidências e vários eventos divertidos.

“Fizemos um show no Kingston Peel”, lembra Robin. “Bruce foi com Janick, mandamos ver, fizemos nosso som, e, no fim do show, enquanto estava guardando minha bateria, meio pelado e tal, Chris veio até mim. Ele estava conversando com Bruce num canto ou sei lá, e disse: ‘Só pra você saber, Bruce quer tocar em alguns festivais europeus, e quer que você toque bateria para ele’, e minha reação foi: ‘Vai se foder, cara! Isso não tem graça. Não vem com essa pra cima de mim’, sabe? Pois isso é algo do coração. O Maiden mudou minha vida quando eu tinha 13 anos, sabe? Quando uma grande banda basicamente muda a sua vida, seja ela os Beatles, ou Michael Jackson, ou quem quer que seja... E a banda que havia mudado a minha era o Iron Maiden. Foi com o disco Killers, na França, em um intercâmbio em uma escola. Então, para mim... Eu literalmente levei aquilo como uma piada. Mas Chris me olhou nos olhos e disse: ‘Não, Rob, estou falando sério’. E naquele momento meu queixo caiu no chão, e eu respondi: ‘O que??’, e ele disse: ‘Sim, você sabe... ele quer que eu toque baixo, você toque bateria, Alex Dickison toque guitarra, e vamos encontrar outro guitarrista (que foi, no final, Pete Friesen)’.”

A turnê se provaria uma experiência muito surreal para Robin, embora uma que ele não trocaria por nada no mundo. “Estava falando com alguém sobre ver o Maiden em Donington, na turnê do Seventh Son of a Seventh Son, e esse show foi a maior plateia do Donington quando o Maiden tocou como banda principal. Você sabe, temos muito orgulho disso, como fãs do Maiden... E só de pensar... Como se eu voltasse e me visse de fora, seria como: ‘Ok, está vendo aquele vocalista ali? Ele tocara The Prisoner com você para 40 mil pessoas. Isso é grande demais para compreender, e quando você faz isso, é incrível.”

“Tocar nesses festivais foi uma experiência fenomenal. Mas também tudo foi acontecendo muito naturalmente. Estava cercado pelos meus melhores amigos, estávamos tocando metal, nos divertindo à beça fazendo isso. É tudo muito simples. Chris chegava falando: ‘Sobe aí nesse avião’, sabe? Todos nós viajávamos de Ryanair (companhia aérea com aviões desconfortáveis, assentos apertados e passagens mais baratas), chegávamos lá, montávamos o show, e, uma hora antes do show, Bruce pulava de seu avião e dizia: ‘Certo, rapazes, tudo em cima?’.”

Robin ficaria muito grato pela constante aversão de Bruce a permanecer parado, e o amor do vocalista pelo estilo de vida corrido se provaria vital em uma ocasião. Na época, o projeto principal de Robin era com sua banda, Rachel Stamp, cuja agenda ele conferira com muito cuidado antes de assumir os shows com Bruce. Não vendo problemas, fechou com a turnê solo de Bruce – até receber uma notícia de última hora.

Depois de já ter feito alguns ensaios com Bruce, o pessoal da Rachel Stamp ligou e avisou Robin que haviam conseguido um show, e ele coincidia com a viagem que estariam fazendo à Bélgica, para tocar no festival Graspop. E a Rachel Stamp havia sido contratada como banda principal num festival um pouco menor em Essex, chamado Turrock Music Festival.

Robin surtou, achou que tudo estaria perdido.

“Então, pensando com calma, concluí o seguinte: o Rachel Stamp será a banda principal da noite, então, chutando, provavelmente vamos subir ao palco às dez da noite. No Graspop (único festival na Europa em que Bruce e a banda não foram a banda principal) iríamos tocar logo após Rob Halford, antes do Dream Theater e do Machine Head, e o Slayer era a banda principal. Calculei que nossa apresentação iria das cinco até as seis, na Bélgica - que está uma hora à frente do Reino Unido -, então percebi que tinha cinco horas para bancar James Bond e ir da Bélgica para Essex. Entrei em contato com companhias aéreas, e não havia voos, ou todos estavam lotados, e eu estava começando a desmoronar.”

“Então, eu pensei: ‘Espere aí... Bruce é piloto!’, e isso aconteceu antes de eu ter feito qualquer show com Bruce, então ainda poderia rolar um ‘Quem você pensa que é para criar dificuldades? Cai fora! Vou arrumar outra pessoa’. Então, telefonei para a casa de Bruce, e foi um dos filhos dele quem atendeu, e eu disse: ‘Aqui é Robin, vou tocar bateria na turnê’. E ele sabia que eu era do Rachel Stamp – tínhamos um clipe rolando na TV na época. E ele disse: ‘Você é o cara que fica girando as baquetas e tudo mais?’, e eu pensei: ‘Que ótima notícia, o garoto me curte!’, sabe? “

“Então, ele foi chamar o pai, e nesse meio tempo eu estava me borrando todo. Conseguia literalmente ouvir os passos de Bruce se aproximando, e eu só disse: ‘Bruce, aqui é o Robin, ou tocar bateria na sua turnê, e estou com um pequeno problema. Tenho de estar em Essex, com a banda Rachel Stamp, logo depois do show na Bélgica, e estava pensando se você poderia considerar a possibilidade de eu ir no avião com você até a Bélgica, fazer o show, e então você me trazer de volta...’, e eu simplesmente parei, pensando, sabe... já era, ele vai mandar eu me ferrar.”

“Ele não fez isso. Bruce me perguntou onde seria o show do Stamps – e logo começou a tramar um plano tipicamente dickinsoniano. Conseguia ouvi-lo folheando algum atlas, murmurando, ‘Hum, sim, tem um em blá-blá-blá’, ‘Thurrocksville’ ou sei lá. E continuou: ‘Ah... nós provavelmente poderíamos pousar no campo’, e eu pensando: ‘Porra, ele está mesmo considerando isso’. E ele então disse: ‘Poderíamos fazer melhor ainda. Tenho um amigo que tem alguns aviões de bombardeiro medievais. Por que não fazemos isso num bombardeiro?’, e eu: ‘Meu Deus, meu Deus, meu Deus...’ Pois eu esperava que ele me tirasse do grupo imediatamente, sabe? Não esperava de jeito nenhum um por que não fazemos isso em um bombardeiro? Então, eu só consegui dizer: ‘Seria muito bem, se você não se importasse de organizar isso’, ao que ele me respondeu: ‘Amo um desafio. Vou te retornar sobre isso’.”

No fim das contas, a idéia do bombardeiro não vingou – mas, de maneira impressionante, Bruce, a Sanctuary e a administradora usaram de sua influência para essa miniaventura. “Havia uma pequena minivan esperando do lado do palco no Graspop. Terminamos o show com Powerslave, um grande final, e deixamos o palco. Bruce e eu pegamos nossas mochilas e ainda estávamos com nossos shorts suados, etc. Bruce deu alguns autógrafos, então, virou e disse: ‘Vamos, entra na van!’. Uma rápida viagem de carro para o aeroporto de Bruxelas, com ambos os artistas se trocando dentro da van, terminou com Bruce e Robin embarcando juntos em um voo programado.

“Aqui vai um último insight sobre esse grande homem”, continua Guy. “Bruce tinha uma passagem de primeira classe, e eu estava na seção encolhe as pernas, maluco, e ele trocou sua passagem apenas para que pudesse se sentar comigo e pudéssemos conversar e tal, durante o voo de volta. Minha reação foi: ‘Mas que droga, quem você acha que faria isso?’. Ele, de fato, trocou sua passagem de primeira classe para vir e sentar do meu lado. Quando desembarcamos, virei-me pra agradecê-lo: ‘Ah, amigo, muito legal da sua parte por me ajudar a fazer tudo isso...’ e ele: “Apenas entre no carro e vá! Você tem um show a fazer!’. E lá estava um carro da Sanctuary, com motorista, bancos de couro, extremamente rápido, ao melhor estilo James Bond, e eu entrei. Meu telefone estava fervendo de chamadas dos membros da Rachel Stamp, perguntando onde eu estava, e eu apenas dizia ‘chegando’.”

“Chegamos e passamos direto pela segurança, bem no meio da plateia que, obviamente, se esticava para ver o Rachel Stamp no palco. Não tinha tempo para ir ao camarim, então eu apenas pulei a barreira, saltei para o palco... eu tinha conseguido que um amigo montasse a bateria para mim, sabe? A plateia me reconheceu e começou ‘Eeeeee! Ótimo! Rachel Stamp!’, e eu dei uma última olhada na bateria. E voltei para a área do palco onde estavam os outros caras, fazendo cara feia. E eu pensei: ‘Não há nada que eu possa dizer agora. Vou dizer simplesmente, vamos quebrar tudo!’ Segui em frente e toquei por uma hora, então desmaiei. Havia feito algo inacreditável. Fiz algo meio Phil Collins, tocando em dois países diferentes no mesmo dia, chegando dois minutos antes do nosso show. Então, conseguimos. E, tecnicamente, eu não me atrasei.”



Fonte: Bruce Dickinson: os altos voos com o Iron Maiden e o voo solo de um dos maiores músicos do heavy metal

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